ESCÂNDALOS ASSOMBRAM CASTILLO!
(O Estado de S. Paulo, 10) O presidente do Peru, Pedro Castillo, sobreviveu a uma tentativa do Congresso de impedilo, mas apenas por agora. Na noite de terça-feira, Castillo provavelmente sentiu algo próximo a um alívio. Depois de horas de deliberação, o Congresso votou contra a abertura de um processo de impeachment para removê-lo da presidência, duas semanas depois de um grupo de parlamentares de direita apresentar a moção.
Até segunda-feira, a situação parecia ruim para o desgastado presidente e não apenas por causa da agressiva oposição que ele tem enfrentado de virtualmente todos os campos políticos – incluindo de seu próprio partido, o Perú Libre – desde o primeiro dia de seu governo. Enquanto uma série de escândalos chegava às manchetes ao longo do mês passado, parecia que a oportunidade para a direita se livrar de Castillo finalmente havia chegado, enquanto até partidos mais centristas, como Acción Popular e Alianza por el Progreso, consideravam publicamente a possibilidade.
Mesmo assim, a moção pela abertura dos procedimentos fracassou, aparentemente porque a oposição não obteve o coup de grâce que esperava para o fim de semana. Uma reportagem aguardada, que revelaria o teor de gravações de áudio que implicariam Castillo em um caso de suborno, não foi publicada, por fim.
Mas isso não importa. Apesar de seus erros, a oposição encontrará uma outra chance, porque ao que tudo indica Castillo logo lhe proverá um novo motivo para sua remoção. Apenas quatro meses após iniciar o mandato, múltiplas alegações de corrupção emergiram no entorno do presidente. Um ex-comandante do Exército acusou Castillo, seu ministro da Defesa e seu chefe de gabinete, Bruno Pacheco, de pressioná-lo para promover oficiais próximos a Castillo indevidamente.
O ex-comandante alega que foi aposentado compulsoriamente quando se recusou. O diretor da agência de tributos e aduana do Peru também acusou Pacheco de pressioná-lo para favorecer certas empresas com impostos atrasados, o que ocasionou uma investigação. Poucos dias depois, Pacheco, que desde então se demitiu do cargo, foi encontrado com US$ 20 mil escondidos no banheiro de seu escritório. Ele alega que o dinheiro era de sua poupança.
Para piorar as coisas, em 28 de novembro, um programa jornalístico mostrou imagens de Castillo encontrando-se secretamente, tarde da noite, com uma mulher, em um edifício não destinado a assuntos oficiais do governo. A mulher foi posteriormente identificada como Karelim López, lobista de uma empresa que recentemente venceu uma licitação do governo oferecendo seus serviços por exatos 27 centavos a menos do que sua competidora. Foi essa série de eventos que motivou parlamentares dos partidos Renovación Popular, Avanza País e Fuerza Popular a apresentar a moção de impeachment.
Num discurso ao país, Castillo declarou que o encontro com López foi “pessoal” e que houve uma tentativa de desacreditá-lo por parte de pessoas que não conseguem aceitar um presidente camponês. Em um anúncio paralelo, a respeito de esforços para coletar dinheiro para crianças órfãs, Castillo afirmou que explicaria a fonte dos recursos para o projeto “muito em breve”. A respeito da suposta interferência nas forças armadas, Castillo disse apenas que respeita a instituição.
Escândalos estão obscurecendo qualquer avanço em políticas que o governo possa estar promovendo. A principal proposta de Castillo, mudar a Constituição, parece mais improvável que nunca. Houve muito pouca resposta em relação aos relatórios a respeito dos poderes legislativos que o Executivo pediu ao Congresso no começo de novembro.
A vice-presidente, Dina Boluarte, a primeira na linha de sucessão, também enfrenta significativa hostilidade da oposição e dentro do Perú Libre. A atual primeira-ministra de Castillo, Mirtha Vásquez, tem se dedicado principalmente a apagar incêndios que parecem atingir diariamente o palácio presidencial – incluindo seu próprio anúncio a respeito do fechamento de quatro minas em Ayacucho, do que teve de voltar atrás dias depois após muitas críticas do setor privado.
Em um aparente esforço para negociar sua sobrevivência, Castillo chamou para conversar os líderes de todos os partidos no Congresso antes de terça-feira, sem especificar a agenda. Os dois maiores de direita, Fuerza Popular e Renovación Popular, não atenderam ao convite.
Sua reunião com Vladimir Cerrón e seu ex-primeiro-ministro Guido Bellido, membros da facção radical do Perú Libre, que por fim não apoiou a moção para impedi-lo, provocaram especulação de que Castillo voltará a se inclinar para a extrema esquerda por causa da determinação da direita em removê-lo do cargo.
Mas isso não aumentará seu poder nem o enfraquecerá. O verdadeiro problema de Castillo parece ser que ele, aparentemente, está pouco interessado em governar e, em vez disso, parece ter o foco em usar sua posição para favorecer seus aliados e talvez a si mesmo. Seus defensores argumentariam que isso não o diferencia em relação a presidentes peruanos anteriores, mas a questão é precisamente essa: longe de trazer uma mudança real, Castillo está dando continuidade aos mais tradicionais aspectos da política peruana.
Enquanto isso, os opositores darão tempo ao tempo. Eles se contiveram nessa ocasião, mas não por alguma preocupação verdadeira pela estabilidade democrática, nem, evidentemente, por qualquer apoio tácito a Castillo. A direita simplesmente aprendeu uma lição com o impeachment e a remoção do cargo do ex-presidente Martín Vizcarra, em 2020: enquanto o presidente tem algum apoio, tentativas de destituí-lo resultarão numa significativa reação contrária. Isso não quer dizer que os recentes eventos não estão prejudicando os índices de aprovação de Castillo.
Ele tem atualmente 25% de aprovação, em comparação a 35% em outubro, segundo o instituto de pesquisa IEP, mas 55% da população ainda é contra sua remoção do cargo – provavelmente porque o Congresso tem uma taxa de aprovação ainda pior, de 21%. Então, a direita vai esperar e acompanhar os desdobramentos. Com base em seu comportamento até este ponto, Castillo dará oportunidade para a direita lhe impingir o golpe mortal mais cedo que tarde.