13 de junho de 2017

“O CARÁTER PEDAGÓGICO DE UM JULGAMENTO”!

(Editorial do Estado de S. Paulo, 09) 1. O País assistiu ao julgamento do processo contra a chapa Dilma-Temer, TSE, por suposto abuso de poder político e econômico.

2. Apontado como o maior caso da história do tribunal, esse julgamento, transmitido pela televisão, deveria ser uma aula de direito e civismo, a ser aproveitada por todos os interessados no desenvolvimento da vida política nacional.

3. Mas isso talvez não esteja acontecendo. Para quem assiste ao julgamento, a primeira grande surpresa vem da confusão com que alguns ministros tratam o papel do TSE, como se ele não fosse um tribunal eleitoral.

4. Num momento, o relator do caso, ministro Herman Benjamin, reconhece que “o bem jurídico que tutela essas ações (eleitorais) é a legitimidade e a normalidade do processo eleitoral, cuja lisura é elemento indispensável à concretização do valor democrático no regime político brasileiro. (…) Ninguém sai preso daqui, nem com condenação penal”.

5. Depois, no entanto, sem qualquer constrangimento, o relator discorre sobre os fatos da ação como se estivesse num tribunal penal e o seu papel fosse condenar criminalmente os réus. A função do TSE é zelar pela lisura do processo eleitoral, avaliando se houve cumprimento do livre exercício do direito de votar e ser votado.

6. Atuar fora da esfera eleitoral é abusivo, já que extrapolaria os limites de competência da Corte. A rigor, passaria a ser um tribunal de exceção. Por isso, ainda que se faça um bonito discurso sobre a importância de a Justiça não ser conivente com a impunidade, a tentativa de levar o TSE para um julgamento além da esfera eleitoral desrespeita o Estado Democrático de Direito e a Constituição.

7. É sempre bom lembrar que arbitrariedades desse tipo não levam a bom porto. Outra esquisitice desses dias de julgamento é o tratamento dispensado a alguns fatos conexos ao processo. O relator defendeu ardorosamente que o TSE não pode julgar com os “olhos fechados”, devendo buscar a verdade real dos fatos. Parece coisa óbvia, já que estão julgando um caso complexo.

8. A cegueira deliberada em relação a algum ponto do processo feriria o senso de justiça. No entanto, o ministro Herman Benjamin não falava nesse sentido. Conforme esclareceu mais adiante, com essas palavras ele queria que o conteúdo das delações da Odebrecht fosse necessariamente apreciado pelo TSE já que se trataria de fato público e notório. “Só os índios não contatados da Amazônia não sabiam que a Odebrecht havia feito colaboração. Se isso não é fato notório, não existirá outro”, disse o ministro Herman Benjamin.

9. Uma coisa é a existência, pública e notória, da delação de 77 diretores e executivos da empreiteira Odebrecht. Outra é tomar os fatos narrados nas delações como verdade verdadeira, a dispensar posteriores provas. O fato de todo mundo saber que as delações foram feitas não significa que o seu conteúdo corresponda à verdade ou relate os fatos com fidelidade e correção.

10. Não se nega a argúcia do argumento do ministro Benjamin, fazendo parecer que a jurisprudência do STF, no sentido de afirmar que um tribunal não pode desconhecer um fato público e notório, conduziria à pretendida conclusão de presumir como verdadeiro o conteúdo das delações da Odebrecht.

11. Mas esse modo de apreciar os fatos proposto pelo relator está bem distante do que dispõe o Direito, pois sabe que descuidos nesse campo produzem não pequenas injustiças. Além de estabelecer uma série de procedimentos para garantir isenção na produção das provas, a lei prevê que as partes possam refutar os fatos narrados, apresentar esclarecimentos, etc.

12. Dessa forma, seria um tanto extravagante que o TSE, no caso mais importante de sua história, pactuasse com uma apreciação descuidada das provas, dando por verdadeiro o que não passou por um efetivo contraditório. Como também é público e notório, as delações da Odebrecht ainda são objeto de investigação.

13. O papel do juiz exige isenção. Deve antes estar disposto a ser mal interpretado pela opinião pública do que causar uma injustiça. O caso em questão é de especial gravidade, pois não envolve apenas Dilma Rousseff e Michel Temer. Um equívoco do TSE causaria um dano direto a todo o País. É bom, portanto, não ignorar os critérios seguros do bom Direito.