11 de maio de 2022

OS PERIGOS DA CRISE UCRANIANA!

(Jean Marc von der Weid, ex-presidente da UNE, fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia) O cínico ministro das relações exteriores de Napoleão, Talleirand, formulou uma frase de efeito que ficou na história. Referindo-se à ordem do célebre general e ditador francês que levou ao sequestro de um líder monarquista em um país vizinho e seu fuzilamento sumário ele comentou: “é pior do que um crime, é um erro”.

A frase pode ser aplicada à decisão de Putin de invadir a Ucrânia e provocar uma crise sem precedentes desde a instalação de foguetes russos em Cuba por Kruschev em 1962. Putin não contava com a reação militar dos ucranianos, que paralisou os seus planos de uma rápida
conquista da antiga colônia russa, desde os tempos dos czares até o fim da União Soviética.

Também não contava com a reação daquilo que, no passado, se chamava de “mundo livre”, os países capitalistas, em particular os organizados na União Europeia. Putin acreditava que a dependência energética da Europa em relação às exportações de petróleo e gás da Rússia faria com que as reações na forma de sanções econômicas seriam leves e palatáveis. O analista Pepe Escobar afirmou surpreso, quando as sanções se mostraram mais do que robustas: “foi um tiro no pé da União Europeia”. Putin também não contava com a reação pesada da opinião pública mundial, execrando a invasão. Reação orquestrada por uma mídia internacional totalmente aderente ao discurso anti-russo do governo americano, que, com certeza, efetivamente colocou Putin como uma ameaça ao equilíbrio mundial herdado da queda da União Soviética. A campanha anti-russa adquiriu tons de histeria ao ponto de esportistas e artistas russos serem banidos dos espaços internacionais.

Além dos problemas militares e econômicos provocados na Rússia pela invasão da Ucrânia, Putin tem agora que enfrentar uma OTAN revivida que vinha em lento processo de tornar-se um anacronismo. E a resposta do ditador, é dobrar a aposta e, escudado no controle da opinião pública no seu próprio país, agora ameaça o uso de armas atômicas. Os americanos tratam a ameaça como blefe e vem ampliando as suas provocações, buscando o que o governo Biden chama de sangrar os russos até, idealmente, a queda de Putin e a submissão total dos herdeiros dos antigos impérios, o dos czares e o dos comunistas. Os riscos para a humanidade vão crescendo na medida em que as alternativas para Putin vão se estreitando. No momento, tanto os ucranianos, como os países da OTAN, estão endurecendo suas posições e recuando de qualquer acordo para cessar fogo e negociação da paz. Levar um ditador absoluto como Putin para o corner e pretender abatê-lo com o sangue derramado pelos ucranianos, usando um armamento cada vez mais pesado fornecido por americanos, ingleses, alemães e até suíços é um risco que é melhor não correr.

Os americanos estão nadando de braçada nesta crise, em particular porque abriram um amplo mercado para fornecer petróleo e gás para os europeus, assim como para a sua pesadíssima indústria de armamentos. No momento em que o mundo deveria estar redirecionando
investimentos para enfrentar a crise do aquecimento global através da substituição dos combustíveis fósseis, o dito “mundo livre” expande o uso destes combustíveis e usa seus recursos para uma nova corrida armamentista.

Mas a histeria provocada pelo governo americano contra a Rússia foi muito além da justa indignação contra a agressão de Putin contra a Ucrânia, para se tornar uma manobra, visando a eliminação de uma superpotência militar e até a submissão de uma potência econômica (bem menor) aos interesses da decadente (mas ainda significativa) economia americana.

A posição de uma parte da esquerda assumindo a defesa de Putin como se fosse um baluarte do socialismo é pura visão do atraso e inteiramente anacrônica. Não estamos diante de um enfrentamento ideológico, mas de uma disputa geopolítica entre o capitalismo neoliberal e o capitalismo mafioso, que se estabeleceu na Rússia com a dissolução da economia estatal soviética no final dos anos oitenta.

Mas uma coisa tem que ser assumida por todos que tem um mínimo de bom senso (e hoje parece que são poucos): a ameaça nuclear russa não deve ser tratada levianamente e a corda não pode ser esticada até levar Putin a uma situação de desespero e a uma reação drástica que nos colocaria no limite de uma guerra atômica. Velhos guerreiros dos tempos dos Estados Unidos superpotentes dos anos 70 (antes que a derrota no Vietnam cortasse as asas dos “falcões”) estão palpitando que está na hora de calar as armas e buscar uma solução negociada, vide Henry Kissinger. Em particular, os europeus deveriam ser mais responsáveis, pois os americanos estão bem distantes da zona de conflito e parecem dispostos, pelo menos até as eleições de novembro, a empurrar os ucranianos a derramar até a última gota do seu sangue neste enfrentamento.

O Papa Francisco tem sido uma voz isolada, junto com o secretário geral da ONU (entidade que vem se mostrando uma peça vazia nesta crise), cobrando um movimento pelo silêncio das armas e a busca de um acordo negociado. Aqui no Brasil as vozes, tanto da esquerda como da direita, têm sido pela defesa de Putin (paradoxos do anacronismo político), enquanto a chamada grande imprensa reza pela cartilha de Biden.

Deveríamos estar nos movendo na direção da pressão por uma solução negociada e não entrar na torcida pelo ditador ou pelos aventureiros belicistas ocidentais. Não é hora de discutir se Zelenski é uma marionete da OTAN (na verdade dos Estados Unidos) e se Putin tinha boas razões para a invasão. A hora é de cobrar da diplomacia brasileira uma posição firme pelo cessar fogo imediato e pela paz negociada. No momento o governo brasileiro tem uma postura esquizofrênica, com o Itamaraty apoiando (no essencial) Biden, e o energúmeno e seus acólitos apoiando Putin. Em geopolítica e em confrontos militares com o nível de risco verificado nesta crise não importa quem tem razão e sim o que é preciso fazer para baixar a pressão e não jogar gasolina no fogo.