11 de agosto de 2020

BRINCANDO COM FOGO!

(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 10) Na reunião ministerial de 22 de abril deste ano, além dos palavrões, o que ficou na lembrança foram as enfáticas demonstrações de que o presidente da República pretendia intervir na Polícia Federal. Poucos se recordam de que o encontro foi solicitado pelo ministro Braga Netto (Casa Civil), para apresentar o Plano Pró-brasil, ou “o Plano Marshall brasileiro”, como ele próprio mencionou. Já então era nítido o desconforto de Paulo Guedes com essa iniciativa, que, além de ser gestada fora do Ministério da Economia, demandaria recursos fiscais adicionais.

De lá para cá, tem ficado cada vez mais claro que a disciplina fiscal corre riscos, desta vez não por pautasbomba do Congresso, e sim por prováveis iniciativas do presidente e de parte do seu Ministério, incluída a ala militar.

É claro que Bolsonaro está determinado a se reeleger e que vê na austeridade fiscal um obstáculo para alcançar tal objetivo. Daí seu apoio aos ministros “desenvolvimentistas”, apesar de, contraditoriamente, insistir em que quem manda na economia é Paulo Guedes. É por isso, também, que pretende criar um programa social que leve sua marca, o chamado Renda Brasil, uma provável ampliação do Bolsa Família, que também demandará novos recursos.

Como disse a colunista Maria Cristina Fernandes, no jornal Valor (6/8), depois que o ministro da Defesa excluiu a empresa de projetos navais da Marinha, a Emgepron, do teto de gastos, mediante sua capitalização, o movimento fura-teto contagiou o governo. O ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, mostra-se inconformado com o minguado orçamento que deverá ser destinado, em 2021, ao Dnit, órgão responsável pela construção e manutenção de estradas. Além disso, Freitas é um dos maiores defensores do programa Pró-brasil. Da mesma forma, Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, também defensor do Pró-brasil, sugere retirar o programa Minha Casa Minha Vida do teto de gastos. E por aí vai.

Além dessas ameaças pelo lado do gasto público, a atuação do governo é bastante confusa e pouco produtiva no encaminhamento e na negociação com o Congresso das reformas estruturais.

Tomemos a reforma tributária. A ideia de apresentar suas propostas fatiadas até seria compreensível caso o governo tentasse tratar separadamente a revisão dos tributos indiretos e dos diretos (renda e patrimônio). Mas não faz qualquer sentido alterar a legislação apenas para a parcela federal dos tributos sobre o consumo, sem que se conheça o que será feito com os impostos estaduais e municipais que incidem sobre os mesmos fatos geradores. Na verdade, a proposta de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) é um verdadeiro natimorto, dado que contraria o desejo do Congresso e dos governadores por uma reforma mais ampla, além da grande oposição que tem recebido do setor de serviços, inclusive de telecomunicações.

Sobre a reforma administrativa, que claramente não conta com a simpatia do presidente, nada se sabe.

O problema maior é que, se essas ameaças para a estabilidade fiscal e para a realização de reformas estruturantes se confirmarem, o governo poderá enfrentar sérias dificuldades para o financiamento da dívida pública, que se materializarão em maior encurtamento do prazo e em significativo aumento do custo de colocação dos papéis.

Na verdade, esses sinais de dificuldade de rolagem da dívida já começaram a surgir, dados o inevitável salto no endividamento público decorrente da crise econômica provocada pela pandemia e a crescente falta de confiança na política econômica. O prazo médio das emissões da dívida pública mobiliária federal em oferta pública caiu de 58 meses, na média de 2019, para 36 meses, em junho último. Sem contar que R$ 1,4 trilhão da dívida em poder do público é composto por operações compromissadas do Banco Central, de prazos curtíssimos.

Parece, realmente, que Bolsonaro gosta de brincar com fogo.