ACHATAR A CURVA DE CRESCIMENTO DAS AÇÕES JUDICIAIS!
(Luis Felipe Salomão, Valter Shuenquener de Araujo e Daniel Carnio Costa – Globo, 09) As autoridades públicas, com o propósito de retardar a disseminação da doença pandêmica e “achatar” a curva de contágio, passaram a implementar medidas de restrição de convívio social, circulação de pessoas e a imposição de quarentena, na linha do que vem sendo feito por outros países. A proposta tem por finalidade evitar que muitas pessoas fiquem doentes ao mesmo tempo, preservando o sistema de saúde em razão de falta de quartos e leitos de UTI.
O mesmo raciocínio deve valer para o tratamento e solução de litígios, durante e após a pandemia.
No Brasil, há uma nova ação judicial por ano para cada grupo de sete brasileiros. Nosso país tem um acervo de cerca de 80 milhões de processos judiciais, e uma taxa de congestionamento no Judiciário de cerca de 70%. Ainda que com o constante aumento da produtividade dos magistrados, observado pelo Conselho Nacional de Justiça, os dados são assustadores. A prevalecer a atual cultura litigante, há um temor quanto ao colapso do sistema judicial brasileiro, que já funciona próximo do limite de sua capacidade operacional. Segundos dados do Sebrae, aproximadamente 99% das empresas brasileiras são micro e pequenas, sendo responsáveis pela geração de mais de 50% dos empregos formais. Em razão da pandemia, 89% dessas empresas apresentaram queda de faturamento já no final de março de 2020, sendo que em 84% dos casos a queda foi superior a 30%, podendo chegar a 90%. Ainda segundo o Sebrae, as micro e pequenas empresas possuem, em média, um caixa para despesas de apenas 12 dias.
Conforme já percebido por Lawrence Summers, economista da Universidade de Harvard, a pandemia acabou gerando um descompasso entre o tempo econômico e o tempo financeiro das empresas. O relógio econômico parou, pois as empresas estão fechadas e não possuem faturamento. Mas o relógio financeiro continuou a correr, na medida em que suas contas continuaram a vencer e se tornar exigíveis.
Não é difícil antecipar que os efeitos desse descompasso impactarão severamente os serviços prestados pelo Poder Judiciário. Se nada for feito, provocarão elevação vertiginosa na curva do gráfico de ações judiciais distribuídas (temas como cancelamento de voos, desmarcação de pacotes turísticos, planos de saúde, insolvência das empresas, direitos trabalhistas, inadimplementos contratuais, divórcios e responsabilidade civil das mais variadas).
Diversos países do mundo vêm tomando medidas para, de um lado, evitar o ajuizamento excessivo de demandas relacionadas à crise da pandemia e, de outro lado, preparar o sistema de insolvência empresarial para uma atuação extraordinária na ajuda à preservação das empresas durante um período de crise aguda. É o que mostra o relatório conjunto apresentado pela INSOL International e pelo WorldBank, do último dia 10 de abril.
O Conselho Nacional de Justiça vem adotando recomendações e avisos importantes para enfrentar a crise de demandas, já sinalizou para a importância do uso da conciliação e mediação como formas de solução de conflitos. Está lançando uma plataforma de mediação/conciliação que contará com a participação de todos os relevantes atores da Justiça e que pretende efetivar as audiências previstas no art. 334 do CPC.
Portanto, é o momento de aprofundar a conscientização da população para utilização da mediação e conciliação não só como forma de solução de processos judiciais, mas também a etapa pré-processual para evitar que conflitos se transformem em ações judiciais. Essas soluções extrajudiciais tendem a garantir maior efetividade e atendimento aos interesses de credores e devedores.
Algumas relevantes iniciativas também começam a ser desenvolvidas pelos Tribunais. No TJSP há o projeto-piloto de mediação e conciliação pré-processuais para disputas empresariais em decorrência da situação emergencial. Os Tribunais do Paraná e do Rio de Janeiro estão implementando projetos pioneiros que envolvem a mediação e a conciliação pré-processuais.
Achatar a curva de demandas deve ser prioridade no Brasil, e a disseminação dessas boas práticas aos demais tribunais brasileiros é medida que se espera em prol da administração da Justiça.
Luis Felipe Salomão é ministro do Superior Tribunal de Justiça, Valter Shuenquener de Araujo é professor de Direito Administrativo da Uerj e juiz federal, e Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo e auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça.