10 de fevereiro de 2021

ALÍVIO NA COLÔMBIA!

(Editorial – O Estado de S. Paulo, 06) Em 2012, tão logo o então presidente colombiano Juan Manuel Santos anunciou negociações para um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), uma polêmica feroz incendiou o país. Embora o acordo previsse um mecanismo de justiça transicional – a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) – para julgar delitos tão atrozes que não pudessem ser objeto de anistia, setores conservadores – notadamente o ex-presidente Álvaro Uribe e membros de seu partido, o Centro Democrático, como o atual presidente Iván Duque – viram na proposta uma maquinação para a distribuição de indultos aos guerrilheiros e retaliações aos militares. As tensões se refletiram na rejeição de uma primeira versão do acordo por 50,2% da população em um plebiscito de 2016.

Ao final, o acordo foi reformulado, instituído, e a JEP, em sua primeira decisão dois anos após ser fundada, deu mostras de que seus críticos estavam equivocados. Em 28 de janeiro, a Corte denunciou oito líderes das Farc por crimes de guerra e contra a humanidade.

O relatório de 322 páginas do processo que apura os sequestros das Farc registra que, entre 1990 e 2016, as guerrilhas aprisionaram mais de 21 mil pessoas. Os reféns – ricos e pobres – eram submetidos a espancamentos, fome e outras torturas físicas e psicológicas. Muitos foram obrigados a urinar e defecar em público ou a cavar suas próprias covas. Alguns ficavam meses sem trocar de roupas ou tomar banho, outros eram espremidos em gaiolas ou forçados a marchar pelas florestas acorrentados pelo pescoço.

Após os guerrilheiros renderem as armas, as Farc foram oficializadas como um partido – a Força Alternativa Revolucionária do Comum, ou, desde o mês passado, “Comunes” – e receberam a garantia de 10 cadeiras no Congresso até 2026. Mas nas eleições legislativas de 2018 o partido teve apenas 0,5% dos votos, e em 2019 elegeu apenas um prefeito. Agora, as revelações da JEP devem sepultar qualquer resquício de apoio que as Farc pudessem ter dos colombianos.

Entre os indiciados estão o líder máximo das Farc, Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, e outros dois atualmente no Congresso. Eles têm até o fim do mês para se pronunciar. Se reconhecerem as acusações, além das reparações às vítimas, podem ser condenados a serviços comunitários em liberdade. Caso contrário, será instaurado um processo que pode condená-los a 20 anos de prisão.

O caso dos sequestros – emblematicamente indexado como 001 – é apenas o começo. Entre o catálogo de atrocidades atribuídas às Farc estão deslocamentos forçados; minas terrestres antipessoa; atentados terroristas; uso de armas não convencionais; assassinatos; massacres; e violência sexual contra mulheres e crianças. Nos próximos meses a JEP deve se manifestar sobre lideranças intermediárias que tiveram contato com reféns e sobre o recrutamento de menores.

A resposta dos ex-guerrilheiros às acusações da JEP serão uma prova de fogo em relação a seu compromisso com a paz e as instituições republicanas. A rejeição pode congestionar os trabalhos da Corte e minar as negociações para as reparações às vítimas. A JEP também precisará decidir se permitirá aos acusados manter seus mandatos. De resto, precisará mostrar idoneidade e higidez ao apurar as suspeitas de crimes por parte dos militares, notadamente o suposto massacre de civis tomados por guerrilheiros. Decisões imprudentes dos acusados e da Corte podem reinflamar os críticos do acordo e detonar a polarização refletida no plebiscito de 2016.

Se o resultado apertado do plebiscito não permite desqualificar peremptoriamente os temores de Uribe e seus partidários como infundados, não deixa de corroborar a constatação de Juan Manuel Santos de que, após 52 anos de conflito sangrento, era “melhor uma paz imperfeita do que uma guerra perfeita”. O fato é que, ao menos pelo momento, a JEP está se mostrando à altura das esperanças depositadas nela pelas autoridades colombianas, e tudo indica que, antes que ressuscitar a guerra, o país caminha para aperfeiçoar a paz.