09 de junho de 2020

NOVOS VENTOS!

(Luís Eduardo Assis, economista – O Estado de S. Paulo, 08) Depois do tropeço, vem o tombo. Os indicadores do mercado de trabalho de abril são tétricos e anunciam uma crise sem precedentes. O número de pessoas ocupadas com carteira assinada caiu 886 mil em relação a março. Se a comparação for com dezembro do ano passado, a queda foi de 1,47 milhão de postos de trabalho. Isso é mais que o registrado em todo o ano de 2015 (-1,08 milhão) ou 2016 (-1,37 milhão). No mercado de trabalho informal a situação é ainda mais grave. O total de pessoas ocupadas no setor privado sem carteira assinada caiu 897 mil em abril, contra março, e ficou 1,73 milhão menor que o número de dezembro. Somando os dois grupos, são 3,2 milhões de pessoas que deixaram de trabalhar nos primeiros cinco meses de 2020, 777 mil a mais que o total acumulado no biênio 2015-2016.

É bom lembrar que o recuo de 2015-2016 foi o maior da história e desde 1930-1931 o Brasil não apresentava dois anos seguidos de contração da atividade. Pois agora, em 2020, bastaram quatro meses para o estrago no mercado de trabalho ser maior. Ao contrário do que pensa o ministro da Economia, o Brasil não foi abatido quando estava decolando (a não ser que se pense numa asa delta, que decola para baixo). O índice de atividade calculado pelo Banco Central, medido em sua variação anualizada, vinha caindo desde o ano passado, quando bateu em 1,5% em maio. Em março último, o crescimento estava em 0,75% ao ano. A tese propagandeada de que a aprovação da reforma da Previdência iria impulsionar a economia se mostrou um fiasco. Se depois do tropeço vem o tombo, o que virá depois do tombo? Qual é o plano do governo?

Não há plano. É só mais do mesmo. As reformas vão tirar o País da lama e garantir a volta do emprego perdido, repete-se. O mercado acionário engole essa ilusão com casca e tudo e já subiu cerca de 50% desde o seu ponto mais baixo, em 23 de março. A falta de atenção com a população mais pobre, mais que uma distorção, está inscrita no besteirol que caracteriza as manifestações do governo. Ainda recentemente, o ministro Paulo Guedes gravou um vídeo oficial no qual anunciava o auxílio emergencial para os trabalhadores informais. Mas, espantosamente, no momento de explicar a quem se destinaria o benefício, não lhe ocorreu melhor ideia do que dizer que o auxílio era “para a gente simples, que trabalha todo dia, para nos alimentar e para nos distrair”. É difícil de encontrar síntese mais elucidativa da visão preconceituosa e arrogante que o governo tem dos trabalhadores brasileiros que não ganharam na loteria da vida. Fica evidente, pela colocação dos pronomes, que o pronunciamento não era dirigido às pessoas que perderam o trabalho. A mensagem era para a elite que se deixa alimentar e distrair, enquanto profere lamúrias a respeito da modorrenta quarentena a que se submete. O recado é claro: fiquem tranquilos, o governo vai pagar uma mesada para esta “gente simples”.

Ao tratamento discriminatório se soma o sectarismo autofágico do presidente da República, o que cobrará um alto preço do governo nos próximos meses. O auxílio emergencial vai acabar antes que a economia se recupere. Este hiato vai reduzir ainda mais o espaço de manobra para a articulação de um projeto para o País.

É de uma ingenuidade comovente acreditar que milhões de novos desempregados terão paciência para esperar os dúbios resultados de reformas tão ambiciosas quanto impopulares, algumas das quais nem sequer foram formuladas. A agenda fundamentalista liberal do ministro não tem como responder aos reclamos imediatos da “gente que nos distrai”. Ou o governo percebe os novos ventos ou a transformação da crise política em crise institucional será inevitável.