CUSTO BRASIL E DESINFORMAÇÃO!
(José Roberto Afonso, economista, professor do Instituto Brasileiro de Direito Público e pesquisador da Universidade de Lisboa – O Globo, 07) Distorções locais que tornam o país mais caro, conhecidas como custo Brasil, ganharam novo componente: o custo da desinformação. A pior conta passa pelas incomensuráveis perdas na saúde. Mas há também perdas de oportunidades em matérias como tributação. Muitos opinam, até nos jornais, sem compreender os efeitos das radicais transformações econômicas e sociais puxadas pela digitalização e aceleradas pela pandemia.
A proposta de reformar o Imposto de Renda é um exemplo. O modelo foi redesenhado junto com a moeda do real e logrou aumentar a arrecadação, facilitar as declarações, criar o Simples e ser um caso raro de imposto sem maior disputa na Justiça. Porém a tentativa de aceno eleitoral gerou um projeto sem objetivo e um debate sem evidência empírica.
É emblemática a insistência em confundir a “pejotização” com empreendedorismo e, sobretudo, em ignorar que renúncia tributária é um cálculo teórico (que nunca resultaria em entrada de igual valor nos cofres públicos). O Brasil conta com 13 milhões de inscritos no MEI e mais de 4,8 milhões no Simples — um grau de formalização reconhecido internacionalmente. Estes geram apenas 2,6% da arrecadação agregada do IR e contribuição do lucro — ou seja, estão longe de ser o problema. Para ter uma ideia, os donos dessas empresas declararam ao IRPF uma retirada anual de R$ 120 bilhões, com uma média de contribuintes por faixa de renda sempre abaixo de R$ 20 mil, enquanto acionistas de grandes empresas retiraram mais de R$ 400 bilhões.
É um caso de política pública compreender as profundas mudanças nos mercados de trabalho e de serviços impulsionadas pela revolução digital e pela pandemia. Os regimes tributários simplificados contemplam boa parte dos empreendimentos dinâmicos — tanto que países ricos procuram expandir o equivalente ao Simples e vinculá-lo à inovação.
Quem olha só o retrovisor ainda acha que serviços são basicamente para famílias, prestados por pequenas firmas, ou profissionais que, como se fossem masoquistas, desdenhariam ter carteira assinada e benefícios. Quem olha o entorno de sua vida saberá que a atual economia — cada vez mais automatizada, especializada, produtiva — é dominada por serviços dinâmicos, exercidos por profissionais multifacetados, que não precisam estar num local fixo e vendem basicamente para outras empresas, muitas das quais produzem e empregam pouco, mas ainda assim se tornam as mais valiosas das Bolsas. Quem tratar a tributação dessa economia emergente como se fosse a de uma fábrica, com mercadorias palpáveis e contáveis, imporá mais um custo pesado a um país sem crescimento e desenvolvimento.
Não é por acaso que, no declarado pelas pessoas físicas em 2019, as retiradas dos empreendedores cresceram duas vezes mais rápido que os dividendos dos maiores capitalistas, e ambos 17 vezes mais que os salários. No declarado pelas pessoas jurídicas, a razão entre tributos federais e receita bruta apurada no regime do Simples (8,2%) supera a do regime do lucro real (7%) — e ainda se fala em renúncia. O lado mais dinâmico da economia e da arrecadação passa cada vez mais pelos regimes tributários diferenciados, referidos equivocadamente como subsidiados. Presume-se que eles deveriam lucrar ao menos 8% do que faturam, quando mal chega a 3% a mesma proporção verificada pela Receita Federal nas maiores corporações brasileiras. Há quem critique, ainda, que a linha de corte do faturamento para microempresas no Brasil fique muito acima dos países ricos, mas não conta que lá serve para os que estão abaixo ficarem isentos de IVA e até de IRPJ, enquanto aqui a menor das empresas sempre contribui para o Simples (ao menos 4,5% sobre o que fatura). A maior das renúncias de nosso sistema é a da racionalidade.
O atual debate do IR e da renúncia tributária ilustra como, sem saber ao certo onde se está, se acha possível dizer aonde ir. Equívocos na formulação da política fiscal podem impor aos brasileiros um preço alto, que vai muito além de recolher mais ou menos impostos. Quando a desinformação se restringia às redes sociais, não contaminava tão diretamente o custo Brasil.