09 de abril de 2019

ENFRENTANDO A IMOBILIDADE URBANA!

(Mauricio Costa Romao, PHD – Illinois University) Todas as grandes cidades do mundo têm experimentado nas últimas décadas expressivo crescimento populacional e desenvolvimento urbano. Algumas delas se expandiram tanto que se metropolizaram, integrando populações e áreas urbanas circunvizinhas num intenso processo de conurbação.

Não sem razão que a maioria dessas cidades perpassa crises de mobilidade urbana, em particular, devidas aos imensos congestionamentos de veículos automotivos nos seus espaços viários.

No Brasil a situação é agravada por conta da desoneração fiscal na produção de veículos, criando mais pressão sobre o uso do espaço urbano, relativamente invariante.

Só em 2018 foram produzidos no país 2 milhões e 881 mil veículos (os carros representam 95%) e exportados somente 629 mil. O saldo foi adicionado à frota existente. Mais: a expectativa do mercado é de que a produção automotiva brasileira cresça 11,3% em 2019.

A frota do Recife, por exemplo, é de 687 mil veículos, à qual tem que se adicionar parte da frota dos outros municípios da RMR que se desloca diariamente para a capital e retorna para seus redutos de origem. Considerando apenas uma fração dos veículos vindos de Jaboatão, Olinda e Paulista – a quantidade de veículos circulando nas ruas do Recife ultrapassa um milhão de unidades.

Em cálculos aproximados, dos 102 mil novos veículos chegados a Pernambuco no ano passado, não menos que 30 mil estão circulando na malha viária da capital (talvez mais 35 mil até o final de 2019).

Há consenso entre os especialistas de que a busca de mobilidade urbana sustentável passa por uma mudança de cultura, onde o transporte coletivo tem prioridade sobre a locomoção individual motorizada.

Cientes dessa filosofia, mas impossibilitadas de melhorar os modais alternativos de transporte, as administrações municipais recorrem às clássicas soluções de gestão de congestionamentos, através de intervenções tópicas de engenharia de tráfego no fluxo do trânsito (sincronização de semáforos, mudança de sentido de ruas, desvios de tráfego, proibição de estacionamento, etc.).

Como é sabido e sentido pelos cidadãos no seu cotidiano, essas intervenções mitigadoras apenas aliviam a fluidez de determinados gargalos de tráfego, não constituindo soluções duradouras para os congestionamentos recorrentes.

A gravidade do problema requer mudança de paradigma. A instituição de pedágio urbano, por exemplo, passa a ser uma opção à ortodoxia da engenharia viária.

Com efeito, a solução de longo prazo para a mobilidade urbana já é conhecida: dar absoluta prioridade aos modais sustentáveis, transporte público, bicicleta e andar a pé. Isso implica em desincentivar o uso de automóvel como modal preferencial.

O pedágio urbano (“congestion charging”, “urban toll” ou “congestion pricing”) é uma maneira de promover esse desestímulo. O mecanismo consiste em cobrar uma tarifa aos condutores de veículos que circulem em determinadas áreas da cidade (semelhante ao modelo de cobrança de pedágio nas rodovias concessionadas). Em geral, os veículos coletivos ficam isentos de pagamento.

A idéia por trás da instituição da tarifa é a de que a imobilidade urbana é causada em larga escala pelo maior demandante do espaço viário e maior gerador de tráfego: o transporte motorizado individual.  Seu uso desenfreado acarreta prejuízos materiais, sociais, ambientais e de saúde, e são injustamente socializados. Portanto, esse transporte tem que ser parte da solução do problema.

É uma questão de desequilíbrio entre oferta limitada do espaço viário e excesso de demanda pelo seu uso, protagonizado pelo automóvel. O preço (a tarifa do pedágio) vai ajudar a desestimular a demanda.

O pedágio urbano, além de reduzir a quantidade de automóveis circulando na malha viária, tem uma vantagem adicional: gera receitas para serem aplicadas em sustentabilidade urbana, particularmente, em transportes coletivos. Daí existir entre os especialistas visível preferência por essa modalidade vis-à-vis o rodízio de automóveis.

O rodízio (adotado em São Paulo e em outras grandes cidades como, México, Santiago, Bogotá, Quito, Pequim, Atenas, etc.) busca reduzir o congestionamento mediante restrições à circulação de automóveis (relação entre dias da semana e finais das placas) em certos horários do dia, mas não gera recursos para o ente público, nem tampouco induz a mudanças de cultura ou de hábitos.

O modelo de pedágio urbano é antigo: foi implantado pela primeira vez em 1975, em Cingapura. São várias as cidades, entre grandes, médias e até pequenas, que têm adotado o pedágio urbano depois do exemplo exitoso de Cingapura: Londres, Estocolmo, Milão, Durham, Oslo, Bergen, etc., mas só recentemente é que Buenos Aires se tornou a primeira cidade da América Latina a implantar a modalidade.

Desde 15 de maio de 2018, Buenos Aires adotou o pedágio urbano, abrangendo 70 quadras, numa área de 2 km2. O entorno pedagiado é vigiado por 80 câmaras com período de restrição de 11:00h as 16:00h, de segunda a sexta-feira. São esperados 35 mil veículos a menos na zona demarcada, metade do volume que circulava antes.

Devido à aceitação popular da experiência, o governo da cidade portenha decidiu estender o perímetro pedagiado de 70 para 142 quadras, a partir de outubro de 2019, além de alargar o horário de circulação paga, passando de 9:00h as 18:00h.

As cidades que adotaram o pedágio urbano têm usado diferentes modelagens no sistema quanto (a) às tecnologias empregadas; (b) à abrangência da área pedagiada; (c) ao destino dos recursos arrecadados com as tarifas; (d) aos tipos de veículos sujeitos à cobrança, etc.

Mas o objetivo comum a ser alcançado é sempre o mesmo: diminuir os congestionamentos recorrentes, desacelerar o agravamento da situação ambiental e arrecadar recursos para destinação em transportes de massa, em síntese, buscar a sustentabilidade urbana.

Outro traço comum é o de que o pedágio urbano sempre gerou imensa controvérsia onde foi implantado, o que o torna um desincentivo para os políticos adotá-lo.  As críticas em geral são: (1) o tráfego desordenado é um problema do governo, não do cidadão; (2) o sistema é injusto, pois penaliza mais os usuários de menor renda; (3) há violação do direito de ir e vir do cidadão; (4) trata-se, na verdade, de um novo imposto; (5) não há garantia de que os recursos arrecadados canalizem-se para sustentabilidade urbana, etc.

Entretanto, há inúmeras constatações de que a aceitação pública aumenta sobremaneira à medida que o sistema se vai consolidando e a coletividade vai sentindo seus benefícios. Diz-se até que o maior aliado do pedágio urbano é a sua própria existência.

Tanto assim é que um prefeito de Londres, Ken Livingstone, em 2004, não obstante tremenda resistência de pequenos empresários do centro da cidade, teve como principal bandeira de campanha à sua reeleição expandir a zona demarcada da cidade e aumentar o valor do pedágio. Foi reeleito para um segundo mandato.

Desnecessário dizer que cidades como Londres e outras onde o pedágio urbano foi implantado, têm realidades socioeconômicas e urbanas diferentes de cidades como a do Recife, por exemplo. Ainda assim, vale à pena testar esse modelo alternativo de gestão de demanda para melhorar o trânsito e minimizar os congestionamentos da capital pernambucana, pari passu com continuados incentivos ao uso dos modais sustentáveis de transporte.

O enfrentamento do problema requer medida disruptiva. A mudança de paradigma começa pela taxação do carro particular.