07 de maio de 2021

REPRESSÃO ESTATAL ENFURECE COLOMBIANOS!

(O Estado de S. Paulo, 05) A repressão aos protestos contra a reforma tributária na Colômbia agravou a revolta contra o presidente Iván Duque, que ontem convocou os diferentes movimentos setores da sociedade para conversar, resolver problemas nacionais e pôr fim à violência. Desde que a onda de manifestações começou, na semana passada, 20 pessoas já morreram e mais de 800 ficaram feridas.

Como um rastilho de pólvora, o movimento ganhou caráter nacional, as reivindicações se ampliaram e agora incluem gritos contra a pobreza, o desemprego e a desigualdade. Ontem, manifestantes tomaram novamente as ruas e montaram bloqueios em rodovias de Bogotá e Cali, a terceira cidade do país e a mais afetada pelos distúrbios. A reforma tributária, apresentada por Duque no dia 15 de abril, previa o aumento de impostos sobre serviços e mercadorias, incluindo a gasolina, e ampliava a base de contribuintes do imposto de renda. A oposição e os críticos do projeto acusaram o governo de sacrificar a classe média em plena pandemia.

Duque defende que uma reforma tributária é necessária para dar estabilidade fiscal, proteger os programas sociais e melhorar as condições de crescimento em razão dos efeitos da pandemia. O objetivo do governo é arrecadar cerca de US$ 6,3 bilhões (R$ 34,43 bilhões) entre 2022 e 2031.

Na segunda-feira, diante da pressão, o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, renunciou, alegando que “sua continuidade no governo dificultaria a construção de consensos necessários para levar a reforma adiante”. Logo em seguida, o presidente colombiano retirou a proposta do Congresso, mas garantiu que apresentará um outro projeto em breve.

Duque vem definindo as manifestações como “terrorismo urbano de baixa intensidade”. Segundo o jornal El Tiempo, a sistemática e a agressividade dos ataques levaram as autoridades a suspeitarem que existe infiltração de organizações criminosas nos protestos. O ministro da Defesa, Diego Molano, afirma que dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão por trás dos excessos em Cali.

Mas à frente das manifestações estão sindicatos, líderes indígenas, organizações civis e estudantes, que exigem uma mudança de rumo do governo conservador de Duque. As mobilizações refletem também o desespero causado pela pandemia, que já matou mais de 75 mil colombianos e infectou quase 3 milhões de pessoas em uma população de 50 milhões.

No ano passado, o PIB da Colômbia teve seu pior desempenho em meio século, caindo 6,8%. Em março, o desemprego subiu para 16,8% e quase metade da população vive hoje na informalidade e na pobreza, de acordo com dados oficiais.

O índice de rejeição a Duque chegou a 60%, segundo o instituto Gallup, o mais alto desde que assumiu o governo, em 2018. A ONU condenou o “uso excessivo da força” na Colômbia. “Estamos profundamente alarmados pelos acontecimentos em Cali”, afirmou Marta Hurtado, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.

Os EUA recomendaram prudência ao governo colombiano. “Pedimos a máxima moderação às forças públicas para evitar mais perdas de vidas”, afirmou Jalina Porter, porta-voz do Departamento de Estado. “Os cidadãos dos países democráticos têm um direito inquestionável de protestar pacificamente.”

Até Shakira, uma das maiores estrelas da Colômbia, criticou a repressão violenta aos protestos. “É inaceitável que uma mãe perca seu único filho em razão da brutalidade, que outras 18 pessoas tiveram suas vidas tiradas em um protesto pacífico”, escreveu no Twitter.

Os protestos também afetaram o futebol. A Conmebol decidiu ontem suspender dois jogos da Copa Libertadores que seriam realizados na Colômbia esta semana. Independiente Santa Fe e River Plate, em Bogotá, e Atlético Nacional e Argentinos Juniors, em Medellín, serão jogados no Paraguai.