COMPROMISSO PARA RECUPERAR O ESTADO DO RIO!
(Cláudio Frischtak – O Globo, 06) Muitos se perguntam por que, afinal, o Estado do Rio tem sido tão malgovernado, e por tantos anos. Por que a qualidade de nossos representantes — seja em Brasília, seja na Assembleia Legislativa (e na maioria das Câmaras) — é, de modo geral, tão ruim? Por que um estado que teve, e tem, a bonança do pré-sal está numa situação fiscal tão débil, em contínua fuga de uma reforma que dê capacidade e sustentação para cumprir as obrigações financeiras e prestar serviços decentes à população? Por que o estado empobreceu e é território de uma anomalia talvez única no país, com áreas tomadas de forma quase permanente por milícias e traficantes? Acredito que não seja obra do acaso. É fruto da história, das circunstâncias, das instituições — e de nossa omissão.
Parto de uma constatação: nenhum estado sofreu a violência político-administrativa que se abateu sobre a antiga Guanabara e o Estado do Rio, começando por um regime militar que extirpou os dois partidos modernizantes e suas lideranças nos anos 1960: aqui, na antiga Guanabara, a UDN; lá, no antigo Estado do Rio, o PTB. Aqui, Carlos Lacerda, cassado e posto no ostracismo; lá, os herdeiros de Roberto Silveira, talvez o maior talento do PTB, que uniu o partido à UDN (e outros) na eleição para governador em 1958.
Não há vácuo na política. O espaço foi logo ocupado pelo chaguismo, instrumentalizado pela política clientelista, na ausência de eleições diretas e associado ao regime de força, inicialmente na Guanabara, expandindo-se depois para o novo Estado do Rio. Pois, como não bastasse o primeiro golpe — em que se tolhem e cassam os direitos políticos de novas lideranças —, vem o segundo: a fusão dos dois estados, decretada em 1974 sem consulta, de forma autoritária, com claros objetivos: transformar a cidade-estado em mais um município, retirar seu protagonismo enquanto símbolo e síntese da nacionalidade, caixa de ressonância política e da cultura de resistência. O Rio foi violentado. A centralidade de Niterói foi alienada, sua capacidade de reciclar e educar as elites do antigo Estado do Rio foi reduzida à inexpressividade. Ao juntar as duas burocracias, imperou o mínimo denominador comum. Perdemos todos.
Com a redemocratização, as tentativas do primeiro governo Brizola e do início do governo Moreira Franco de resgatar a modernização dos anos 1960 foram relativamente tímidas e, mais adiante, frustradas. Já em meados dos anos 1980, as piores práticas tinham se entranhado; a corrupção se normalizou; e a criminalidade batia à porta. Sucessivos governos e seus sustentáculos no mundo político só fizeram confirmar que o passado sequestrou o presente.
Há futuro? Se a história nos ensina algo é que mudanças estruturais na forma de governar demandam liderança, coragem política para romper o statu quo e capacidade de convencimento. Sobretudo, porque o desafio implica desalojar interesses poderosos incrustados no próprio Estado. A agenda é clara: enfrentar a criminalidade associada à ocupação territorial, comumente com apoio de agentes do Estado; e a corrupção institucionalizada, não infrequentemente com apoio de instituições de Estado. Reformas necessárias no Rio demandam ainda competência para propor e executar políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade e para a ampliação das oportunidades, especialmente pela educação dos jovens e apoio à primeira infância. É inescapável começar por um compromisso absoluto de integridade e eficiência do setor público, voltado para oferecer melhores serviços à população.
Tivemos aqui perto, no Espírito Santo, uma história parecida com final feliz, com a eleição de um novo governo, o recuo da criminalidade institucionalizada, a recuperação econômica e a capacidade de avançar na política social. Podemos nos inspirar e aprender que, sem o envolvimento e a mobilização da sociedade civil — de cada um de nós —, será difícil avançar. Não há mais como esperar; façamos a hora.