07 de janeiro de 2020

PARA DESPERTAR A CULTURA NO RIO!

(Marc Pottier – O Globo, 06) Para um curador francês apaixonado pelo Rio, que trabalha desde 1992 para promover a cena artística brasileira, o que está acontecendo no momento não dá para entender. É difícil aceitar como tantos artistas talentosos e lugares cariocas de cultura parecem ser totalmente negligenciados ou mesmo ignorados.

Já há décadas, o Rio de Janeiro tem sido um viveiro. Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape… tornaram-se referências mundiais. É o caso também de vários artistas das gerações seguintes, como Tunga, Ernesto Neto ou Cildo Meireles. Hoje o Rio é a cidade de estrelas reconhecidas internacionalmente como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Luiz Zerbini, Vik Muniz… Continua a ser um incrível centro de criatividade, com uma geração jovem mais do que promissora, da qual Maxwell Alexandre, estrela em ascensão, ou o grande pintor Arjan Martins são ilustrações flagrantes. Escrevi vários artigos para a revista “Ela” celebrando os muitos talentos femininos da cidade, tais como Alice Miceli, Fernanda Gomes, Maria Laet, Maria Nepomuceno, Laura Lima, Vivian Caccuri, Rosângela Rennó, Sonia Andrade…

O Rio de Janeiro tem o privilégio de ter lugares que são verdadeiras pérolas raras. Entre outras, estão o Museu do Inconsciente, o Museu Bispo do Rosário, o Sítio Burle Marx, o Museu do Açude, o Museu Casa do Pontal… No canal Arte1, pude apresentar através de 27 programas “Olhar estrangeiro” estes e outros espaços que temos no Rio. É por conhecer e amar esta cidade há tanto tempo que hoje me permito escrever este artigo para expressar minha tristeza, mas também minha certeza de que a situação pode ser revertida.

Numa das mais bonitas cidades do mundo, os turistas não podem encontrar lugares dedicados aos nossos artistas unanimemente admirados. O Centro Hélio Oiticica são apenas paredes. Ninguém poderá ver nada sobre Lygia Clark ou Lygia Pape. Ninguém pensou em dedicar um lugar permanente ao grande arquiteto Oscar Niemeyer. O MAR ameaça fechar suas portas. O canteiro de obras interrompidas do Museu da Imagem e do Som se deteriora em plena Avenida Atlântica. O MAM tem exposições que se estendem por meses. A Escola de Artes Visuais do Parque Lage acaba de ser decapitada. Um museu afro-brasileiro ainda não viu a luz do dia, e o Instituto de Pesquisa e Memória dos Pretos Novos sofre para permanecer aberto.

Mas se as questões culturais não parecem atrair políticas locais e nacionais, talvez possamos demonstrar que a cultura, além de gerar uma forte imagem de um país, também é um negócio rentável e de futuro? Para dar um exemplo, na França, uma avaliação mostrou que a cultura gerou um faturamento total de 91,4 bilhões de euros em 2018 e representou 2,3% da economia nacional, ou seja, um peso comparável ao da indústria de alimentos e 1,9 vez maior que o da indústria automotiva. O investimento em cultura mostra-se extremamente lucrativo e combina efetivamente com o mundo dos negócios, além de fomentar ainda mais o turismo. O Rio tem tudo em mãos para lucrar com isso.

Acredito que é hora de voltar a dar orgulho aos cariocas, conscientizar as pessoas de que o Rio está deitado em um verdadeiro “berço esplêndido”, mas que a situação é de emergência. Provavelmente, chegou a hora de o mundo civil e empresarial substituir os territórios abandonados pelas autoridades públicas. Não se pode imaginar que numa cidade como esta não se consiga reunir algumas personalidades que se engajem em mostrar que o Rio não é apenas o lugar de “Sea, Sex and Sun”. Algumas iniciativas, como a de Oskar Metsavaht, que abriu o espaço OM.art no Jockey Club, e de Fabio Szwarcwald, que graças a um crowdfunding conseguiu reformar as cavalariças do Parque Lage… Vamos apoiar essas iniciativas promissoras e dinâmicas e imaginar outros projetos que se adaptem a essa cidade e seus grandes talentos. É hora de acordar!