07 de abril de 2020

O COVID-19 E O BANCO CENTRAL!

(Claudio Adilson Gonçalez – O Estado de S. Paulo, 06) É difícil fazer estimativas sobre os impactos econômicos da covid-19, pois as projeções da evolução de sua curva epidêmica são pouco confiáveis. De qualquer forma, já é possível arriscar alguns números. A contração do PIB em 2020, sobre 2019, não será inferior a 2%, embora o governo continue otimista trabalhando com taxa zero. O déficit primário da União deverá superar 7% do PIB. Apesar dos esforços do governo para preservar empregos, o desemprego pode voltar para o patamar de 15%. As condições para o crédito privado continuam terrivelmente apertadas, no que pesem as boas medidas já tomadas pelo Banco Central (BC) para atenuar esse problema.

A PEC 10/2020, conhecida como Orçamento de Guerra, ainda estava em tramitação na Câmara quando este texto foi redigido. Entre muitas outras medidas imprescindíveis, a PEC também dotou o BC de alguns instrumentos legais importantes para serem utilizados durante a vigência do atual estado de calamidade pública. Refiro-me à autorização para comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e internacional, bem assim direitos creditórios e títulos privados.

A possibilidade de comprar títulos públicos dá ao BC um instrumento importante para melhorar as condições financeiras e poupar recursos públicos com a conta de juros. A autoridade monetária poderá, por exemplo, fazer o que ficou conhecido nos EUA, na crise de 2008, como operação twist, que consiste em comprar títulos públicos no mercado com vencimentos mais longos e vender outros com vencimentos mais curtos. Com isso, as taxas de juros para operações mais longas, digamos, de 2 a 5 anos de prazo, tenderão a cair. Além de serem estas as taxas relevantes para o custo das operações de crédito, isso poupará recursos na rolagem da dívida pública.

Além disso, em condições extremas de falta de liquidez, o BC poderá realizar no Brasil algo semelhante ao que foi feito pelos bancos centrais dos países desenvolvidos, qual seja, promover o financiamento monetário do aumento dos gastos públicos. Para isso, bastará comprar no mercado os títulos que forem emitidos pelo Tesouro para financiar esses gastos. Essa recomendação pode soar estranha para o leitor, dado que o financiamento monetário do gasto público sempre foi considerado como uma das principais causas da hiperinflação brasileira das décadas de 80 e 90 do século passado. A resposta é: estamos numa economia de guerra, essa política só poderá ser feita em caráter temporário e excepcional, e, parafraseando o economista Pérsio Arida, um dos principais formuladores do Plano Real, “somente um lunático pode se preocupar com inflação nesse momento”.

A conveniência da autorização para o BC comprar direitos creditórios e títulos privados é autoexplicativa. Com essa prerrogativa, a autoridade monetária ganha instrumento eficaz para evitar uma eventual crise grave de crédito, conhecida como credit crunch, sem depender do sistema bancário, normalmente mais avesso a assumir riscos de crédito em crises como a que estamos enfrentando.

Mas cabe lamentar um grave equívoco cometido pelos senhores deputados. Na versão original da PEC era dado ao BC o poder, em caráter permanente, de acolher depósitos à vista e ou a prazo das instituições financeiras. Isso foi excluído na versão final. Essa medida possibilitaria a troca de títulos públicos que estão em operações compromissadas por tais depósitos. Um efeito importante seria reduzir os números da dívida bruta brasileira e torná-la comparável com as de outros países, já que esses depósitos não são computados na dívida.

Não se trata de contabilidade criativa. A dívida bruta brasileira está indevidamente inflada por operações realizadas no âmbito das políticas monetária e cambial, quando deveria ser apenas contrapartida dos déficits fiscais.