QUEM PAGA IMPOSTO NO BRASIL?!
(Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal – O Estado de S. Paulo, 04) Sempre que se fala em reforma tributária aparece a preocupação de determinadas categorias com um possível aumento de sua tributação. Tal preocupação é compreensível, mas não é uma boa base para a discussão, pois pressupõe que o atual regime de tributação é justo e eficiente, o que não é verdade.
Para entender esse ponto, vou dar um exemplo de como o atual sistema tributário brasileiro resulta em iniquidades injustificáveis. Para tanto, vamos considerar a tributação na margem (ou seja, sobre cada real adicional de faturamento) do valor gerado pelo trabalho de duas pessoas: 1) um empregado formal de uma empresa industrial ou comercial cujo salário é de R$ 6,2 mil; e 2) um profissional liberal que atua como sócio de uma empresa do lucro presumido com renda de R$ 50 mil por mês.
No caso do empregado formal, supondo que seu trabalho gere um faturamento adicional de R$ 100,00 para a empresa (já descontado o custo dos insumos), a empresa terá de recolher R$ 18,00 de ICMS e R$ 9,25 de PIS-Cofins, sobrando R$ 72,75 (valor que será ainda menor, se a empresa estiver sujeita à incidência de IPI). Supondo que a empresa não tenha lucro nessa operação, ela pagará ao empregado um salário bruto de R$ 54,17, que corresponde à diferença entre os R$ 72,75 e a contribuição sobre folha recolhida pela empresa, de pelo menos R$ 18,58 (34,3% do salário bruto). Por fim, o trabalhador estará sujeito a Imposto de Renda na fonte no valor de R$ 14,90 (27,5% do salário bruto).
Ou seja, dos R$ 100,00 gerados pelo trabalhador, R$ 60,73 foram recolhidos na forma de tributos, sobrando apenas R$ 39,27 para que ele leve para casa. É verdade que algum dia ele recuperará seu FGTS (R$ 4,33) e parcela do Imposto de Renda (R$ 2,98, supondo desconto simplificado de 20%). Ainda assim, a tributação total terá sido de R$ 53,41 e a renda líquida do trabalhador terá sido de R$ 46,59. Vale notar que a contribuição sobre a folha da empresa não gera nenhum benefício previdenciário adicional para o trabalhador, pois seu salário é superior ao teto do salário de contribuição do INSS.
Já no caso do profissional liberal, a tributação sobre os R$ 100,00 de valor adicional gerado por seu trabalho será muito diferente. Supondo que ele recolhe ISS pelo regime uniprofissional, não haverá incidência de ISS sobre o valor adicional gerado, pois o imposto é recolhido num valor fixo (R$ 274,53 por trimestre, em São Paulo). Sua empresa recolherá R$ 3,65 de PIS-Cofins e R$ 7,68 de Imposto de Renda e CSLL. No total, ele terá pago R$ 11,33 em tributos. Todo o restante do valor adicionado (R$ 88,67) poderá ser recebido por ele na forma de lucro distribuído, isento na pessoa física.
Ou seja, nós vivemos num país em que a alíquota marginal incidente sobre o valor adicionado por um trabalhador formal com renda mensal de R$ 6,2 mil fica entre 53,4% e 60,7%, enquanto a alíquota marginal incidente sobre o valor adicionado por um profissional liberal com renda de R$ 50 mil é de 11,3%. Essa diferença se deve a tratamentos diferenciados na tributação tanto do valor adicionado quanto da folha de salários e da renda.
Além da clara iniquidade distributiva, esse modelo de tributação tem também consequências sobre a produtividade. Num mundo ideal, a tributação não deveria distorcer a alocação do trabalho entre várias atividades. Se a produtividade é maior no setor industrial, deveria haver mais trabalhadores na indústria e menos nos serviços. No Brasil, no entanto, a tributação muitas vezes leva as pessoas a optarem por trabalharem em atividades menos produtivas, apenas para pagar menos imposto. A consequência é um menor crescimento do País.
É óbvio que o profissional que hoje paga uma alíquota marginal de 11,3% não quer pagar mais imposto. Mas também é óbvio que qualquer boa reforma tributária tem de resultar numa carga mais elevada para este profissional e numa menor carga para o trabalhador formal.