04 de março de 2020

A ILUSÃO ESCANDINAVA DE BERNIE SANDERS!

(Fareed Zakaria – O Estado de S. Paulo, 03) O senador Bernie Sanders afirma que suas propostas “não são radicais”, citando repetidamente países do norte da Europa como Dinamarca, Suécia e Noruega como exemplos de um sistema econômico que deseja trazer para os EUA. A imagem por ele evocada é de uma democracia social amistosa onde os mercados econômicos são fortemente controlados por meio de regulamentos, os ricos pagam impostos salgados e a rede de proteção social é generosa. Mas essa é uma descrição inexata e incorreta desses países.

Veja o caso dos bilionários. Sanders é claro nesse ponto afirmando que “bilionários não deveriam existir”. Mas a Suécia e a Noruega têm mais bilionários per capita do que os EUA, e a Suécia tem um número duas vezes maior. Não apenas isso, esses bilionários passam sua riqueza para os filhos sem pagar impostos. A tributação da herança na Suécia e na Noruega inexiste e na Dinamarca, ela é de 15%. Os EUA, pelo contrário, têm o quarto maior imposto sobre a propriedade no mundo, hoje em 40%.

A visão de Sanders dos países escandinavos, como muito da sua ideologia, parece estar focada nas décadas de 1960 e 1970, um período em esses países foram pioneiros na criação de uma economia de mercado social. Na Suécia, os gastos do governo como porcentagem do PIB dobrou de 1960 a 1980, de cerca de 30% para 60%. Mas como sublinha o comentarista sueco Johan Norberg, esse experimento de socialismo democrático defendido por Sanders afundou a economia sueca. Entre 1970 e 1995, a Suécia não criou uma única nova rede de empregos no setor privado. Em 1991, um primeiro-ministro defensor do livre mercado, Carl Bidt, iniciou uma série de reformas para alavancar a economia. Em meados da década de 2000, a Suécia reduziu o tamanho do seu governo em um terço e saiu da sua depressão econômica.

Versões desse problema e a adoção de reformas de mercado ocorreram em todo o norte da Europa, criando um modelo que combina mercados de trabalho flexíveis com uma rede de programas de proteção social forte e generosa. Lembro-me de um encontro com o primeiro-ministro dinamarquês, Poul Nyrup Rasmussen, que implementou muitas reformas nos anos 1990. Ele enfatizou que a primeira parte do modelo era chave – garantir aos empregadores flexibilidade para contratar e demitir empregados de maneira mais fácil, sem regulamentos ou litígios excessivos.

Países como a Dinamarca se mantiveram abertos, sem erguer barreiras ao livre comércio, de modo a terem acesso a mercados no exterior, mantendo as companhias locais competitivas. Quando examinamos o norte europeu, o que vemos hoje são políticas inovadoras favoráveis ao mercado como os vouchers escolares, assistência médica dedutível e com coparticipação e uma carga regulatória branda. Nenhum desses países adota um salário mínimo.

É verdade que eles possuem uma rede de proteção social generosa e, para financiá-la, os impostos são altos. O que não é citado com frequência, contudo, é que para arrecadar uma receita suficiente, esses impostos recaem desproporcionalmente sobre as classes média alta, média e pobre. A Dinamarca tem a maior alíquota de imposto sobre a renda de todos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), 55,9%, e ela se aplica a quem auferir 1,3 vezes a renda nacional média. Nos EUA, isso significaria que uma renda acima de US$ 65 mil ao ano seria taxada em 55,9%. Na realidade, a alíquota de imposto mais alta naquele país, de 43%, é aplicada a uma renda 9,3 vezes maior do que a média nacional, o que significa que somente as pessoas com renda superior a US$ 500 mil se inserem nessa faixa de tributação.

O maior impacto para as classes média e pobre nos países do norte da Europa é o pagamento do IVA, imposto sobre valor agregado sobre todas as suas compras, de 25%. Esses países arrecadam mais de 20% dos seus impostos desta maneira. Nos EUA, o IVA em média é de 6,6% e responde por apenas 8% das receitas fiscais.

Um dado final: um estudo da OCDE de 2008 concluiu que os 10% mais ricos nos EUA arcam com 45% de todos os impostos sobre a renda, ao passo que os 10% mais ricos na Dinamarca essa taxa é de 26% e na Suécia 27%. É um ponto fundamental que vale a pena destacar, porque a esquerda americana parece desconhecer completamente. Os EUA possuem um código tributário muito mais progressista do que o da Europa e seus 10% mais ricos respondem por uma fatia muito maior dos impostos do país do que os europeus.

Em outras palavras, trazer o sistema econômico da Dinamarca, Suécia e Noruega para os EUA significaria adotar mercados de trabalho mais flexíveis, regulamentos menos rígidos e um compromisso mais profundo com o livre comércio. Significaria um programa de benefícios sociais mais generoso – a ser pago pelas classes média e pobre. Se Sanders aceitar tudo isso, será de fato radical.