A ARMADILHA LATINO-AMERICANA!
(Editorial – O Estado de S. Paulo, 30) Entre a desigualdade social e o baixo crescimento é difícil saber qual é o ovo e qual a galinha, mas ambos se reforçam mutuamente: países mais pobres são mais desiguais e vice-versa. A América Latina é a segunda região mais desigual do mundo e a mais desigual em sua faixa de renda. Não surpreende que o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para a região se intitule Presos numa Armadilha.
Na década de 2000, o crescimento econômico, a redução da lacuna entre os salários dos empregos mais e menos qualificados e os programas de transferência de renda reduziram a desigualdade. Mas a tendência se estancou na década de 2010, que naturalmente se encerrou com uma onda de protestos em 2019, sufocados pela pandemia em 2020.
A pandemia pesou mais sobre quem já estava para trás. As perspectivas são mais tenebrosas ante o impacto desigual sobre os estudantes. A América Latina tem a menor taxa de mobilidade educativa intergeracional e a pandemia deve reforçar esse padrão ligado ao seu crescimento volátil e medíocre.
A percepção de injustiça é generalizada, não só na distribuição de renda, mas no acesso a serviços públicos e garantias legais. Para 3 em 4 latino-americanos, seus governos servem aos interesses de uns poucos poderosos. A maioria acha que a carga tributária deveria aumentar com a renda, mas o apoio é muito maior entre os 20% mais pobres e muito menor entre os 20% mais ricos – que concentram 56% da renda.
A concentração de poder político e econômico resulta em instituições débeis e políticas distorcidas, míopes e ineficazes. Os mercados latino-americanos tendem a ser dominados por um pequeno número de empresas gigantes, o que conduz a preços mais altos, incentivos para tecnologias ineficientes e baixo investimento em inovação.
O poder dos monopólios é em boa parte responsável pela baixa tributação corporativa e pela resistência a impostos progressivos. Já os sindicatos, quando não se aliam às grandes empresas para obter privilégios, com frequência trabalham para reduzir as desigualdades entre empregadores e empregados exclusivamente do seu segmento, exacerbando as disparidades nos demais.
Um fator que é perpetuado pela armadilha latino-americana é a violência. A região abriga 9% da população mundial, mas responde por 34% dos homicídios. A violência deteriora direitos e liberdades; prejudica resultados educativos e a saúde física e mental; reduz a participação no trabalho e na política; ameaça instituições democráticas; e obstrui a provisão de bens públicos aos vulneráveis.
Outro fator são os incentivos políticos a soluções demagógicas, de curto prazo, fragmentadas e ineficazes. A cisão da seguridade latino-americana entre trabalhadores formais (cobertos por programas contributivos, estabilidade de emprego e regulações de salário mínimo) e trabalhadores informais (servidos por programas não contributivos) é responsável pela baixa eficácia do sistema de proteção e impactos contraditórios sobre a desigualdade. O Pnud enfatiza a importância de uma agenda de proteções sociais universais, mais inclusivas e redistributivas, fiscalmente sustentáveis e favoráveis ao crescimento.
“Os lares pobres precisam de transferência de renda e seguridade social, não de um ou de outro.” Mas “ao invés de atuar ex ante para prevenir a pobreza, as políticas reagem apenas ex post para mitigá-las”. Em geral, as taxas de pobreza na região diminuem por programas de transferência de renda e não porque a renda dos pobres aumentou. Uma boa arquitetura social deveria não só assegurar o bem-estar das famílias vulneráveis, mas incentivar trabalhadores e empresas a melhorar sua produtividade.
À armadilha da desigualdade e do baixo crescimento subjazem engrenagens complexas, como a concentração de poder, a violência, e programas de proteção social e marcos regulatórios do mercado de trabalho ineficientes e distorcidos. Enquanto o enfrentamento a esse quadro não for igualmente complexo, os latino-americanos seguirão aprisionados em seu subdesenvolvimento.