01 de fevereiro de 2017

MICRO E MACROECONOMIA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: CAPÍTULO 2; DOIS EXEMPLOS!

1. No dia 17 de janeiro passado, este Ex-Blog postou uma nota mostrando que os problemas municipais –agora dos novos prefeitos- não se restringem a suas questões orçamentárias e obrigações constitucionais exclusivas. A isso, o Ex-Blog chamou de “microeconomia municipal”. E lembrou que os prefeitos não são só prefeitos da prefeitura, mas do município todos. E agregou: “Afinal de contas, a percepção dos cidadãos sobre seu bem estar e de suas famílias não é recortável.”. Ou seja, deve agir também sobre as responsabilidade exclusivas ou compartilhadas dos outros dois níveis de governo, assim como decisões do setor privado.

2. A Folha de S.Paulo de 30 de janeiro trouxe duas matérias que exemplificam bem isso. De um lado uma questão que agrega turismo e uso funcional do Porto do Rio de Janeiro desde sua transferência em 1907 para a Praça Mauá e a atual área portuária. Durante pelo menos metade do século 20, as viagens internacionais de turistas saindo e chegando no Rio eram basicamente através de transatlânticos e cruzeiros.

3. No início da reforma do Porto, ainda nos anos 1990, esse foi um foco ao lado do sistema de carga e descarga de mercadorias. O terminal de passageiros foi concedido ao setor privado e destacado pela imprensa. O crescimento do número de navios-cruzeiro que aportavam ao lado do píer da Praça Mauá era demonstração da vitalidade econômica do Rio e do turismo carioca. Mas esse ciclo entrou em crise nos últimos anos e não só pela crise econômica brasileira como pela concorrência com outras cidades em outros países de maior atratividade.

4. A colunista Maria Cristina Frias analisa essa situação na Folha de S. Paulo de 30 de janeiro.

4.1. As empresas de cruzeiros investiram R$ 238 milhões a menos em viagens no Brasil nesta temporada (que vai de novembro de 2016 a maio de 2017), segundo a Clia, entidade global do setor.  O número de passageiros caiu 31,8% em relação a igual período do ano anterior. A redução de investimentos no país começou em 2011, mas ganhou força em 2015, com o agravamento da crise econômica e uma maior concorrência internacional.

4.2. Destinos como a China se tornaram mais atrativos às empresas, que realocaram sua frota, diz o presidente da associação no país, Marco Ferraz -nesta temporada, sete navios vieram ao Brasil, contra dez no ano anterior. A Costa Cruzeiros, que chegou a trazer sete embarcações, em 2010, reduziu o número para duas neste verão -à China, foram enviadas cinco.

5. A localização de mais um “museu digital” da Fundação Roberto Marinho, depois de S. Paulo, agora na área portuária do Rio dentro do projeto de revitalização da área portuária –Porto Maravilha- partiu dos estudos feitos para a localização do Museu Guggenheim – que identificou o Píer da Praça Mauá como um ponto de enorme potencial. O estudo de viabilidade econômica contratado pela Prefeitura do Rio antecipou este potencial e seu impacto urbano. No primeiro ano de funcionamento o Museu do Amanhã recebeu um aporte da prefeitura do Rio de R$ 32 milhões de reais, o dobro do previsto. Para 2017 estão previstos R$ 15 milhões da prefeitura do Rio. E o Museu do Amanhã teve seu projeto dirigido e coordenado pela Fundação Roberto Marinho, num investimento midiático, o maior que um equipamento cultural/entretenimento já teve antes no Brasil. Os Jogos Olímpicos de 2016 ajudaram. Passadas as festas, agora há que acompanhar se o uso do Museu do Amanhã continuará sendo o mesmo. A construção do Museu do Amanhã foi realizada com recursos do FGTS destacados do projeto do Porto Maravilha. A Folha de S. Paulo em 30 de janeiro, fez matéria a respeito.

5.1. Não espanta que o Museu do Amanhã tenha chegado ao Olimpo da bilheteria. Uma espécie de bromélia esbranquiçada fritando no calor do Rio, o prédio do “starchitect” espanhol Santiago Calatrava já nasceu sob os holofotes na condição de joia mais vistosa do projeto de renovação urbana da zona portuária carioca e ganhou fôlego ímpar com o maior evento esportivo do mundo. Durante a Olimpíada, a esplanada em torno dele e seu dramático espelho d’água viraram cenários perfeitos para selfies de fãs e atletas, casando com a lógica de espetáculo e entretenimento por trás do chamado Porto Maravilha.

5.2. Essa estratégia não é nova. Desde a década de 1990, quando Frank Gehry inaugurou o emaranhado metálico que abriga a filial do Guggenheim em Bilbao, na Espanha, museus se tornam pedra de toque de processos que urbanistas mais ingênuos chamam de “revitalização”, como se tecidos urbanos estivessem condenados a necrosar sem esses prédios espalhafatosos. Não estão, mas acabam virando do avesso, para a felicidade da especulação imobiliária, quando uma vizinhança ganha algo do tipo.

5.3. Três anos atrás, o mesmo Gehry fez uma espécie de caravela de vidro para a Fundação Louis Vuitton num bairro mais pacato de Paris, que há quatro décadas viu seu coração bater mais forte com os tubos de vidro do Pompidou de Renzo Piano e Richard Rogers –o espanto inicial agora se traduz em filas na porta.

5.4. Não é de todo ruim, mas museus ancorados no espetáculo pouco acrescentam à cultura quando se preocupam mais em aparecer no Instagram do que em construir acervos e mostras relevantes.  Em termos de conteúdo, o Museu do Amanhã não pode ser comparado a instituições como o Guggenheim e o Pompidou, mas seu sucesso diante dos números mais modestos de seu vizinho, o Museu de Arte do Rio, revela o poder de fogo do show pelo show. No afã de bater metas de público, muitos museus se deixam seduzir pela facilidade de uma programação blockbuster, caso do Museu da Imagem e do Som paulistano –suas mostras com temas de Bowie a Silvio Santos encantam por exibir aquilo que o público já conhece, não pelo papel de formação do olhar que deve estar no cerne de todo museu. Mas uma torre de marfim que pouco dialoga com o público também não ajuda. O Museu de Arte Contemporânea da USP, alheio ao que se passa ao seu redor na cena artística da cidade, nunca abraçou o populacho, mas suas galerias vazias preocupam.

5.5. Enquanto o Museu do Amanhã continua bombando, a crise econômica que paralisa o Brasil e ainda causa estragos no resto do mundo parece anunciar agora um retorno à ordem, um futuro de aposentadoria para os “starchitects” –o MIS do Rio arrisca virar ruína antes da inauguração, por exemplo– e de novas exigências para diretores de museus, que terão de fazer da arte e da ciência seu verdadeiro show.